terça-feira, 2 de novembro de 2010

Diário: Malange 24 de Abril de 1993

Hoje é para mim o dia D! Digo isso porque desde que a Unita cercou Malange, as coisas têm-se complicado. Não temos abastecimento via terrestre para a nossa alimentação, os poucos produtos que há estão a ser vendidos a preços exorbitantes. A minha mãe está hospitalizada com o meu primo Joaquim a quem foi amputada a perna por causa de uma bomba que caiu em nossa casa. Já não temos casa, estamos hospedados na casa de um amigo, só nos resta refugiarmo-nos em Luanda onde estão os meus irmãos mais velhos.

Durante a semana tenho tentado embarcar em algum avião, mas não tenho conseguido porque há muita gente na mesma situação. O pior é que nem sempre temos voos porque a Unita já alvejou um dos aviões que vinha para cá. Ouvi dizer que este será o último voo para esta semana. Da minha parte já me sinto exausto de estar no sobe e desce com a bagagem; ora na cabeça, ora no ombro, por isso decidi que se não viajar hoje não volto mais ao aeroporto.

Depois de esperarmos o dia todo debaixo do sol ardente, por volta das 17 horas apareceu um voo de carga. Somos muitos os que queremos viajar e o avião não suportará esta gente toda. Para dentro do aeroporto não nos deixam entrar excepto os que têm conhecimentos. Como se não bastasse o preço do bilhete subiu e só vendem à porta do avião. O meu dinheiro já não é suficiente, por isso troquei em notas pequenas para fazer cinco maços e, por cima das pequenas, pus algumas notas grandes. Espero que passe!No meio de tanta ansiedade apareceu um vizinho meu que trabalha na segurança e entro sobe a sua influência. Toda a gente está eufórica porque vai chover e está a escurecer, ninguém cumpre a fila e os susus (soviéticos) não abrem a porta do avião. Por fim a polícia consegue organizar a fila. E quem entra primeiro? Os familiares dos senhores fulanos e sicranos; mas antes os carros desses mesmos senhores e, quando chega a nossa vez, a fila desorganiza-se novamente. Por fim consigo chegar à porta e entro, sinto-me alegre mas também angustiado porque não vejo o Morais, o colega que estava comigo. Passados cinco minutos o Morais entra e abraçamo-nos de tanta alegria. Os soviéticos fecham a porta e começamos a viagem, mas com muitas turbulências porque está muito vento e chuva.

O pessoal está irrequieto. Uns estão a gritar pensando que o voo vai cair, eu oro fervorosamente ao meu Deus, por fim tudo corre bem. Depois de aterrar fizemos uma fila para sair do aeroporto militar. Um dos polícias vê a minha mala e pergunta-me: "O que levas nesta mala? Estais a carregar pedra?". Eu respondo-lhe-lhe que é apenas roupa e algum material. Quando começa a complicar tiro uma lâmpada incandescente dou-lhe e ele deixa-me passar. Foi assim que consegui sair do aeroporto e estou finalmente em Luanda, são e salvo.

Pedro João
1º BE

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