quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Doce infância


Ainda hoje certos aromas têm a capacidade de reavivar a memória, trazendo de volta as recordações da minha infância passada na Rua D.Estefânia nº 94 em Lisboa.

Estávamos na véspera do Natal, a minha mãe e a minha madrinha andavam numa grande azáfama a preparar a ceia, fritavam-se azevias. A cozinha começava a transformar-se, o aroma a canela, o cheiro do azeite quente que aquecia na panela de cobre, o perfume das laranjas descascadas que foram usadas na confecção dos sonhos, o cravo-da-índia. Todos estes aromas, essências dissipadas no ar, tinham o poder de enfeitiçar tudo e todos ao seu redor, fazendo com que o ambiente se enchesse de vibrações, que transformaram a alma dos presentes e, posso assegurar-vos, que não era só o espírito natalício que provocava este efeito pois já tinha assistido a isto noutras ocasiões que não o Natal.

Eu, com tenra idade, era colocada estrategicamente numa das bancadas da cozinha. Só nesta altura conseguiam que ficasse quieta já que por norma eu era o "diabrete" lá de casa. Prometia a todos que me portaria bem e ficava deliciada a ver as minhas duas " feiticeiras" prepararem todas estas poções mágicas que eram as iguarias que iam provocar tantas sensações. Crescia no ar uma alegria, um bem-estar, a que ninguém ficava indiferente, e eu , no alto do meu posto de vigia, observava mais uma vez toda esta magia que era produzida pela arte de cozinhar à moda antiga e o grande amor e dedicação com que a confeccionavam.

Continuo enfeitiçada pelos cheiros dessa altura, agora que cozinho mesmo que seja só para mim, cozinho como que se de um ritual de magia se tratasse. Quem já provou as minhas receitas afirma que tenho "jeito" mas, no fundo, eu herdei o dom das mulheres da minha família.
Gracinda Silva 1º AL

Sem comentários:

Enviar um comentário