quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Diário: Lumiar, 24/ 25 de Abril 1974


Olá Princesa,



      Esta noite aconteceu uma coisa muito estranha: estava com a minha irmã a ouvir rádio, eram duas da manhã, e ouvimos uma musica do festival Eurovisão da canção " E Depois do Adeus" mas, logo de seguida, não imaginas o que ouvimos -  uma musica de intervenção anti- fascista, a "GRÂNDOLA VILA MORENA".  Não imaginas a surpresa que tivemos, o meu pai da Legião Portuguesa, e nós no quarto ao lado, a ouvir a Grândola, ainda bem que a minha mãe está sempre do nosso lado, senão éramos umas parvas que não sabíamos nada do mundo. Depois daquilo, por mais que tentássemos não conseguíamos dormir. Sabes, amanhã vou pagar caro esta noite em branco, os professores não dão tréguas! Depois da surpresa inicial reparámos que não estava a dar o programa normal, deixou de se ouvir o locutor e só dava música ligeira, o que queria dizer esta mudança? Estávamos ansiosas que fosse manhã para falarmos com a minha mãe, podia ser que através do meu tio Serafim (sabes quem é? Aquele que está fugido em França) soubéssemos alguma coisa, com um bocadinho de sorte ele estava em Portugal nesta altura. A minha mãe não diz, mas já desconfiámos uma vez, que é ele que vai atrás de nós pela azinhaga... Foi um descuido da mãe, nós estávamos todos em casa do avô e ela foi à oficina e estavam a falar muito baixo, mas consegui entender o nome tão secreto como o do meu tio; dias depois quando falávamos do homem misterioso que nos seguia ela disse " Não devem ter medo", e depois acrescentou, "se fosse para vos fazer mal já se tinha manifestado".
De manhã a minha irmã Céu vinha muito alvoroçada pois, na estrada militar, onde moramos, estavam vários postos de fiscalização montados por soldados que não eram do quartel onde o meu pai trabalha. A minha mãe chamou-a à parte e contou-lhe o que nós lhe dissemos logo de manhã cedo. Como ela trabalha no Largo do Chiado não podia passar, e demorou imenso tempo a regressar. Em casa estávamos vidradas na TV, só dava o holograma da RTP e de vez em quando uma figura da Junta de Salvação Nacional lia um comunicado à população. Alguma coisa muito grande tinha acontecido, que angústia não sabermos de nada mais concreto. 
      Afinal já sei o que aconteceu foi um golpe de Estado, as pessoas andam todas pelas ruas a gritar  "VIVA A LIBERDADE!", vêem-se tanques do exército com flores e soldados a pé com flores nas espingardas e muitos cravos vermelhos. Finalmente vamos deixar de ter medo de falar e até de irmos para a escola. O meu tio pode vir para Portugal e nós vamos finalmente conhecê-lo. 25 de Abril de 1974 - um dia para nunca mais esquecermos.



Maria Paula 1º AE

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